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Acervo de Lúcio Costa é doado a Casa da Arquitectura, em Portugal

Foto do escritor: BARDI FAUDBARDI FAUD

_Ana Clara Trench


O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto de saberes, fazeres, expressões, práticas e produções, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo. São os valores, os significados atribuídos pelas pessoas a objetos, lugares ou práticas culturais que os tornam patrimônio de uma coletividade.


Lúcio Costa nasceu em 1902, na cidade de Touln, França, e veio para o Brasil em 1916, diplomando-se em arquitetura pela Escola Nacional de Belas Artes (Enba), em 1923, na qual foi nomeado diretor após a Revolução de 30. Ele foi responsável por buscar atualizar o currículo da escola e renovar o pensamento arquitetônico no país, encapando as experimentações artísticas (ainda que com oposição do corpo docente).


Em 1935, foi convidado pelo Ministro Gustavo Capanema para elaborar o projeto da nova sede do Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro (conhecido como Palácio Capanema), que se tornou marco inaugural da arquitetura moderna no país. Dentre outros projetos, Lucio Costa foi o responsável pelo Plano-Piloto de Brasília, obra que o consagrou como urbanista.


Faleceu no Rio de Janeiro, em 1998, deixando para trás um legado permanente na arquitetura e urbanismo brasileiro, sendo suas produções parte do patrimônio cultural nacional, como memória e identidade.


Desde sua morte, os 11 mil documentos situados em seu apartamento foram reunidos e catalogados por sua filha Maria Elisa, e abrigados no Instituto Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, por onde permaneceram por vinte anos. Entretanto, após passar por reestruturação jurídica, em 2019, a instituição alegou incapacidade financeira para manter o acervo e a família de Lucio Costa teve de definir um novo destino para os documentos.


De acordo com Julieta Sobral, neta de Lúcio Costa que definiu a mudança de localização, a melhor opção foi doar o acervo, que conta com fotografias, croquis, mapas, desenhos, filmes, plantas e correspondências trocadas com personalidade como Le Corbusier e Oscar Niemeyer, à Casa da Arquitectura, em Portugal. Isso sob a ótica de que o Brasil não tem lugar com infraestrutura, reserva técnica, capacidade de treinamento e cuidado com acervo. Ela destaca que a instituição de destino conta com espaços que apresentam as condições perfeitas de umidade e temperatura. “Eles têm equipamentos de digitalização extraordinários, além de verba e interesse para promover o pensamento do Lúcio. Então, assim, tudo vai ser muito difundido e não vai ficar fora de acesso nenhum dia", afirmou em entrevista concedida ao portal G1.

Para Nuno Sampaio, diretor da Casa da Arquitetura, o objetivo da instituição não é apenas guardar as peças, mas disponibilizá-las para todos que têm interesse em conhecer a obra do arquiteto. A mudança para Matosinhos, cidade sede da Casa da Arquitetura, considera que os documentos permaneçam íntegros, preservados fisicamente e difundidos sem restrição, com acesso através do site da instituição, ou presencialmente por pesquisadores – esse último como novidade, pois em solo carioca não se podia ter contato físico com o acervo.

Assim como ocorreu em 2020, após a transferência dos arquivos de Paulo Mendes da Rocha à mesma instituição, as reações foram imediatas. O espólio se trata não apenas de documentos de Lucio Costa, como também de sua essência, posto que a coleção traz desde itens de importância evidente, como desenhos do Plano Diretor de Brasília, a recados íntimos anotados em envelopes usados. “Se a preocupação é manter o acervo preservado e disponível ao público, inclusive com ferramentas digitais, temos todas as condições de abriga-lo”, disse o secretário de Cultura e Economia do DF.

Após a polêmica, o Arquivo Público do Distrito Federal, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) buscam agora estabelecer um acordo de cooperação com a instituição de Portugal. “Estamos caminhando pela via diplomática para amenizar os impactos da retirada do acervo do Brasil. A negociação já evoluiu bastante e a Casa da Arquitetura tem todo o interesse em estabelecer um acordo”, comentou o superintendente do Arquivo Público do Distrito Federal, em reportagem publicada pelo portal R7.

Entretanto, o episódio evidencia um aspecto até agora pouco abordado no âmbito do debate atual sobre a preservação do patrimônio brasileiro: o grau de relativo desconhecimento a esse respeito em que até hoje nos encontramos. Embora avanços venham sendo alcançados, persistem muitas lacunas no estudo e documentação da arquitetura brasileira. O acervo de Lúcio Costa é nossa referência e tesouro e, por isso, não deveria ser exportado, como já foram muitas de nossas preciosidades. A mentalidade de que não há infraestrutura e condições para manutenção e arquivo é defasada e apenas evidencia o complexo de vira-lata, que afasta da consciência coletiva todos nossos triunfos e impede que nossos patrimônios sejam associados a nossa cultura popular, como deveria de fato ser. Assim, é inegável a falta que fará o espólio à cultura brasileira. Precisamos dele perto de nós, para fácil acesso, fácil pesquisa e fácil envolvimento.


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