_Ana Clara Trench
A arquitetura paisagística é um processo de criação e/ou readequação intencional e formal de um espaço livre urbano, que se direciona para praças, pátios, jardins, calçadas, calçadões, parques e áreas de conservação, em especial.
Cada época ou momento histórico tem características específicas de tratamento do espaço livre urbano. Na antiguidade clássica, por exemplo, os jardins palacianos e as casas patrícias eram cuidadosamente elaborados, os fóruns, com grandes praças-secas que eram decoradas por colunatas, fontes e pisos e de intenso uso social. Ou no período barroco, cujos jardins palacianos eram estruturados por eixos, e cujas cidades europeias tinham as promenades arborizadas.
Assim, o paisagismo, como prática socioambiental, reveste-se de caráter cultural e histórico; enquanto linguagem, expressa símbolos e valores da sociedade. A combinação dessas características faz com que diferentes formas de interpretação, apropriação e recriação da paisagem expressem, em variados graus, relações entre sociedade e natureza. As formas da sociedade de se relacionar com a natureza, por sua vez, além de depender do sistema produtivo e do aparato tecnológico disponível, tendem a refletir visões de mundo prevalecentes.
A arquitetura paisagística, como a conhecemos hoje, tem sua formalização na Europa (em especial na França e na Inglaterra) e nos Estados Unidos no século XIX. Foi um tempo de grandes mudanças sociais e urbanas e o crescimento populacional urbano induz, então, a novas demandas e entre elas a de projetar espaços livres urbanos. Foi um período de grande efervescência cultural, de abertura e criação para as massas, de espaços de recreação e lazer e da “urbanização” da vegetação. A arborização das ruas e praças se consolidou neste século e o parque público, o jardim privado de pequeno porte e o boulevard, tornaram-se então figuras comuns da gramática urbana. Formalmente, o espaço público moderno do século XIX é tratado sob o ponto de vista de exposição de pessoas e objetos, destinado ao flanar das classes emergentes, novas parceiras da elite e para o divertimento das massas.
Em uma análise histórica, é possível observar o papel do contexto material e também o das visões de mundo na definição de modelos de paisagismo em diferentes países. Assim, os modelos de urbanismo e de paisagismo revelam-se como resultante de um dado contexto social, político e econômico. No entanto, como práticas socioambientais, o paisagismo e o urbanismo expressam também visões de mundo – os valores sociais e culturais vigentes.
O crescimento da indústria e os ciclos de acumulação de capital, que caracterizaram os países centrais após as primeiras décadas do século XX, realimentaram a crença moderna do progresso. A criação de riquezas e as demandas sociais urbanas refletiram-se na busca de qualificação dos espaços das cidades e esse contexto propiciou uma evolução do paisagismo, em sintonia com as visões de mundo emergentes.
Por muito tempo, para nós brasileiros, a figura de Roberto Burle Marx foi sinônimo de Paisagismo. Ele com suas diversas equipes, foi responsável (por cerca de 50 anos) pelos mais importantes projetos paisagísticos do país, concebidos e executados para o Estado e para as elites de então. A qualidade do arquiteto paisagista Burle Marx é inegável e uma grande quantidade de suas criações são consideradas obras-primas da arquitetura paisagística mundial do século XX, ao lado de nomes como Garret Eckbo, Lawrence Halprin, Thomas Church, Dan Kiley, Peter Walker, Bernard Tschumi e outros poucos mais.
Por outro lado, desde os primeiros tempos do modernismo, delineia-se pelo país o trabalho não tão conhecido, ou divulgado, de muitos profissionais, em grande parte arquitetos de formação, que foram responsáveis pela consolidação da arquitetura paisagística moderna brasileira. Isso porque as décadas de 30 a 40 foram anos de rupturas na arquitetura, no urbanismo e, naturalmente, no paisagismo. A negação do passado recente era objetivo das vanguardas. Esta se refletiu no tratamento do espaço livre urbano, público e privado. Dos anos 1950 em diante, em São Paulo e Rio de Janeiro, com o aumento da urbanização, da população de classe média e alta, as condições para o surgimento de novos autores e obras eram perfeitas. Autores como Roberto Coelho Cardozo e Valdemar Cordeiro criaram bases para o surgimento de inúmeros outros projetistas que, em escritórios ou junto a órgãos públicos, consolidaram preceitos formais e programáticos do paisagismo moderno nacional. Nos anos 70 e 80, o aumento do mercado para os paisagistas, associado à expansão do mercado para arquitetura, consolidou seu trabalho e sua identidade.
A arquitetura Paisagística Moderna pauta-se basicamente pelo atendimento de novas formas de uso e, portanto, de organização morfológica do espaço livre urbano, no qual é introduzida uma nova figura – o automóvel-, que exige uma reordenação dos tecidos urbanos existentes e a criação de outros especialmente tratados para a convivência veículo-pedestre. Ao espaço livre para a circulação de pedestres – calçadas e passeios e para lazer-, são atribuídas novas configurações, agora de acordo com os padrões urbanístico-sociais em voga.
A arquitetura paisagística se torna, então, funcionalista, com a determinação de áreas equipadas especialmente para o lazer, recreativo ou esportivo, nacionalista com o abandono do uso de vegetação, anódina e com ênfase na tropicalidade do país: simples, com a “proibição” do uso de elementos decorativos do passado – pitorescos e temáticos – sendo execradas as cenarizações, as topiárias e qualquer lembrança do Ecletismo recente: geométrica – com o uso e abuso das formas geométricas livres, inspiradas nas temáticas da pintura da época, no qual Burle Marx foi o mestre inspirador nacional – e colorida – com a introdução do uso intenso de pisos multicores.
O Paisagismo Moderno Brasileiro é, no início do século XXI, um fato histórico. Seus princípios e procedimentos projetuais são correntemente empregados no dia-a-dia, da produção paisagística nacional, mas tem como concorrente uma nova visão de espaço, que incorpora velhas tradições, velhos preceitos à novas técnicas, que indicam a mistura de figuras até então obsoletas aos conceitos mais avançados e que traz de vez os princípios ambientalistas para o espaço livre. O começo de um outro modo de projetar, o qual denominamos contemporâneo.
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