_André Marques
“Democratização do acesso ao cinema”, tema da redação do Enem em 2019, é um assunto que constantemente aparece no debate público dos últimos tempos. Ironia ou não, outro tema comum é o questionamento da meia entrada para estudantes e outros grupos beneficiados, um debate que, se conduzido da maneira certa gera questionamentos muito interessantes, mas que facilmente é capturado por grupos que se usam dele para propor o fim por completo da meia entrada, com a justificativa de que isso contribuiria para a redução dos preços e facilitaria o acesso aos cinemas e outros eventos culturais e esportivos. A fim de simplificar, limitarei o universo da conversa às salas de cinemas; ou seja, alguns pontos podem valer para outros eventos e alguns não.
Atualmente, o Brasil possui cerca de 3.507 salas de cinema, sendo 1043 dessas localizadas só no estado de São Paulo (dados de 2019), enquanto no Acre, por exemplo, existem apenas 8. Para fins de comparação, em 2016 os Estados Unidos tinham 40.759 salas de cinema, enquanto a China tinha cerca de 40.917. Franthiesco Ballerini, jornalista especializado em cinema, apurou em seu livro que, em 2012, havia no México uma sala de cinema para cada 23 mil habitantes. Já o Brasil possuía uma sala para cada 65.169 habitantes (G1, 2017).
Tendo isso em mente, a busca pela democratização do acesso ao cinema tem que ir para além da meia entrada. Não que ela não seja importante, muito pelo contrário, assim como este que vos escreve, existem muitas outras pessoas que dificilmente conseguiriam consumir cinema se não fosse a meia entrada, e outros casos ainda que, mesmo tendo direito ao benefício, possuem dificuldades de acesso. Por isso a meia entrada em si não resolve o problema. Se quisermos aumentar o consumo de cinema, devemos impulsionar e investir na criação e manutenção de novas salas, preferencialmente em cinemas de rua.
Atualmente a maioria dos cinemas se encontra dentro de shoppings centers, o que por si só já é um fator limitante, seja pela localização destes na cidade, seja pelo preço agregado ao cinema devido à locação do ponto dentro do centro comercial ou seja por considerarem certos grupos sociais indesejados. Outra consideração importante a ser feita é que, quanto mais distante dos centros, menor é a quantidade de salas e isso vale tanto para cidades, em que os centros são muito mais bem servidos do que as periferias e bairros pobres, quanto para estados, onde pequenas e médias cidades dos interiores também são mal atendidas. Além disso, se pensarmos no Brasil em geral, essa lógica também vale, pois Norte e Nordeste possuem muito menos salas por habitantes do que outras as regiões.
Dessa forma, um projeto que visasse incentivar a criação e manutenção de salas de cinema nesses locais que hoje são mal servidos, dando preferência para implantação cinemas de rua, desassociando o estabelecimento cinema dos shoppings centers, poderia contribuir tanto para suprir a falta de salas, quanto para resolver outros problemas, como geração de empregos, movimentação econômica, vitalidade das ruas e facilidade de acesso.
Indo além, se aliado à essa proposta, houvesse parcerias e investimentos para aumentar a produção, oferta e demanda de filmes nacionais, poderíamos obter bons resultados dentro das esferas cultural e urbana de nossas cidades. Tendo em vista nosso contexto de recessão econômica e de pós-pandemia, acredito que esta é uma ótima oportunidade para implantar um programa desse tipo.
Em resumo, essa é uma questão muito mais densa e que não pode ser abordada em toda sua complexidade em apenas um texto. A intenção deste é levantar a hipótese de que a busca pela democratização do cinema e de eventos culturais como um todo deve estar sempre voltada para o pensamento de como podemos difundir cada vez mais o acesso, e não retroceder com a retirada de direitos já conquistados. Um projeto que se proponha a lidar com essa situação não deve ter medo de direcionar claramente onde queremos os investimentos, como queremos e que resultados esperamos.
Atenção: o texto a seguir é um artigo de opinião que reflete o pensamento do autor sobre o tema, não tendo a obrigação de refletir necessariamente a opinião do _bardi como um todo.
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