_Ana Clara Trench
A infância é algo que nos molda. O momento em que se despertam curiosidades, emoções e em que se estimula a troca de conhecimento sociocultural. Lembro de pensar, quando menor, que o problema dos adultos era perder sua criança interna, porque, sem ela, as coisas passam a ser pragmáticas demais, mecânicas demais, objetivas demais e opacas demais. E, de fato, a gente se perde.
Muito disso em função do estrangulamento das oportunidades urbanas que instigam o imaginário e permitem desenvolver vigorosamente as ideias de liberdade, solidariedade e bem comum.
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Micro Parque Comunidade de Songzhuang
Por mais que eu tenha me mudado para a cidade grande com apenas 4 anos, associo toda a minha infância ao interior, e não consigo imaginar como uma criança, em São Paulo, conseguiria criar memórias de brincar com barro, colher fruta na árvore e foliar na chuva. De alguma forma, as crianças que crescem na cidade já são moldadas para serem adultos apressados, desatentos a simplicidade do cotidiano e utilitaristas. A criança urbana não cria raízes fortes o suficiente em seu adulto, e por isso eles as perdem com o tempo.
A cidade, como grande organismo vivo e um grande elemento-personagem na vida de cada indivíduo, é responsável por propor situações e oportunidades. E quando a cidade não propõe espaços para a criança estimular todo seu potencial, ela cria, sozinha, situações e problemas sociais consequentes de antagonismo, gerados por essa ausência de civilidade na primeira infância.
Citando Durkheim, sociólogo francês, em sua obra “Educação e Sociologia”, a socialização primária é a responsável por formar a base do indivíduo, e é o primeiro contato deste com o mundo exterior. A educação como socialização da jovem geração pela geração adulta dita as relações sociais que serão estabelecidas pelos indivíduos até certa fase da vida. Analogamente, o processo de socialização se inicia quando uma comunidade interage entre si, criando hábitos e costumes.
Assim, as experiências sociais que as crianças têm, ou podem ter, são dependentes dos seus contextos de vida, bem como dos ritmos da vida doméstica, na coletividade e da vida escolar. A visão que têm da cidade, que resulta naturalmente das suas ideias e opiniões sobre as coisas para aqueles que a habitam, depende sobremaneira do que lhes é permitido viver na, e da cidade. É através das experiências vividas que a criança seleciona, modifica e cria percepções e representações sobre o que a rodeia. A imagem da cidade é a resultante da vivência de cada pessoa, da sua inserção na vida urbana e da sua participação.
Portanto, a distribuição desigual dos espaços públicos, muitas vezes precários, a falta de acesso e até mesmo a escassez de atividades familiares gratuitas são fatores que afetam a sociabilidade em uma cidade. Aspectos como a quantidade de crianças que vemos brincando nas ruas e interagindo com o espaço urbano dizem muito sobre uma cidade, haja vista que demonstra quão preocupada ela está com as novas gerações e qual a qualidade de vida que está oferecendo aos cidadãos.
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