_Ana Clara Trench
Nesta quinta-feira (08/10/2021), o presidente Jair Bolsonaro vetou os principais pontos da proposta de lei que visava promover a campanha informativa sobre a saúde menstrual e distribuir gratuitamente absorventes e outros itens necessários para estudantes de baixa renda, em situação de extrema vulnerabilidade e para presidiárias (Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual 14.214/21)¹.
A dignidade menstrual é, no Brasil, um luxo disponível a poucos, quando deveria se tratar de um direito primordial. Embora seja algo biológico, a menstruação ainda é cercada de preconceitos e desconhecimentos, o que resulta em um atendimento insatisfatório da demanda por itens básicos de higiene, e da necessidade de diálogo aberto que forneça informações verídicas sobre a menstruação.
A UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) aponta que as principais características da pobreza menstrual são a falta de acesso a produtos de higiene pessoal, a precariedade da infraestrutura (banheiros, saneamento básico etc), a falta de acesso a medicamentos e a serviços médicos e a questões econômicas, como a tributação. Ademais, esta situação se agrava com as desigualdades de direitos e de oportunidades, envolvendo questões de gênero, de classe e de raça - a chance de uma menina negra não ter acesso a banheiros, por exemplo, é quase três vezes a chance de encontrarmos uma menina branca nas mesmas condições. Assim, uma família de renda inferior tende a dedicar uma fração menor de seu orçamento para itens de higiene menstrual, e recorrem a soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual, com pedaços de panos usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão.
Essas condições podem implicar em problemas de ordem emocional e fisiológica, como alergias e infecções – dentre elas, a Síndrome do Choque Tóxico, condição que pode levar à morte –, além de limitações das atividades do dia, constrangimento e insegurança, decorrentes da pobreza menstrual e da negligência com a importância da informação sobre.
Vale lembrar também que este problema se intensifica quando nos aproximamos da população encarcerada. Como Drauzio Varela expõe em seu livro “Prisioneiras”, aqueles que têm de lidar com o ciclo menstrual no cárcere estão fadados a viver em ambientes insalubres, sob a negligência de itens básicos de saúde e num contexto incompatível com a segurança, afastando-as de qualquer oportunidade de terem a dignidade que urgem.
O desafio é, portanto, multissetorial e interdisciplinar, posto que demanda soluções ligadas aos setores da saúde, do saneamento básico, da educação e da equidade de gênero, além da efetivação dos direitos humanos e da autonomia para todas as pessoas que menstruam.
Isso posto, é extremamente revoltante o descaso com os direitos humanos à dignidade e à saúde daqueles que menstruam, explicitado, mais uma vez, pelo veto da lei. Todas as pessoas que menstruam têm direito à dignidade menstrual. Isto significa ter acesso a produtos e a condições de higiene adequados. Mas, o que se verifica, é quanto mais tateáveis estão tais garantias, mais limitações injustas são aplicadas.
¹ A lei é fruto do projeto 4968/19, da deputada Marília Arraes (PT-PE), aprovado em agosto (2021) pela Câmara dos Deputados e em setembro (2021) pelo Senado Federal. O texto publicado obriga o poder público a promover campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher, e autoriza os gestores da área de educação a realizar os gastos necessários para o atendimento da medida. O presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (14.214/21), mas vetou os principais pontos da proposta aprovada pelos parlamentares, conforme a justificativa de que a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos não se compatibiliza com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino, além de não indicar a fonte de custeio ou medida compensatória.
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